Criada pela Lei 7802/1989, a Receita Agronômica foi festejada como a solução para o mau uso dos agroquímicos. Vinte e quatro anos depois, perguntam-me qual a contribuição para esse propósito. Sou obrigado a escrever com toda tranquilidade e tinta, – nada; ou pior, contribuiu com alguns efeitos colaterais negativos.
Aumento da venda ilegal. Quando o lavrador precisa de um produto para uma praga sem produto registrado naquela sua cultura, ele busca o técnico e não encontra respaldo, só lhe resta a compra ilegal, que não deixa rastro no comércio e na burocracia da receita.
Insegurança na compra antecipada. Em grandes propriedades há de se ter estoques de produtos para usar na época da necessidade. A Receita, ora, só com diagnóstico, o que não é possível sem a praga presente. O fiscal ensina: faça uma compra de simples remessa e só concretize quando a praga ocorrer, pois aí você terá a Receita comprobatória e o fornecedor poderá fazer o faturamento definitivo. Bom, e as sobras? Devolva, faça qualquer coisa, não me perturbe!
Imagem do técnico responsável. Essa está ridicularizada. Ele só pode prescrever exatamente o que está escrito nas bulas dos produtos. E ainda ficam brigando Agrônomos com Técnicos Agrícolas a respeito do direito de receitar. Não é piada, os tribunais estão cheios dessas demandas. Parece coisa séria, mas é só coisa ridícula.
Urge medida reparatória. Aqui imagino algumas.
Em curto prazo seria de todo racional permitir ao profissional habilitado prescrever alvos, culturas, doses diferentemente do que consta na bula de determinado produto, de acordo com o conhecimento acumulado e, por vezes, mais atualizado que as próprias bulas. Se na área médica isso é permitido, onde a responsabilidade é muito mais sensível pelo peso do que pode acontecer a um ser humano, por que não na área agronômica? Basta uma canetada no Decreto 4074/2002.
Com isto, poderíamos resgatar a dignidade dos profissionais e diminuir rapidamente o uso irregular de produtos em culturas que não constam nas bulas. Alguém poderia dizer que seria uma insensatez, pois não temos os indicadores de Limites Máximos de Resíduos para um sem número de pequenas culturas. Ora, volto a lembrar da espada chamada responsabilidade que sempre paira sobre esses profissionais; eles não saem a dar recomendações sem que tenham aprendido em institutos de pesquisas, seminários, congressos, etc. No caso dos Limites de Resíduos nas pequenas culturas para esse ou aquele ingrediente ativo, essa nova postura legislativa levaria os profissionais a promover uma corrida às entidades de ensino e pesquisa para que os testes necessários fossem realizados. Sindicatos e Associações de agricultores estariam ombreados aos profissionais para alcançarem rapidamente este conhecimento.
No médio/longo prazo precisamos desvincular a Receita do ato da compra, como consta na lei 7802/1989 e adotar uma obrigação mais construtiva para a sociedade, pensando em alimentos saudáveis e meio ambiente limpo. Recorro como fonte de inspiração à Decisão 273/2012 da Câmara Especializada de Agronomia do CREA-SP, que estabeleceu parâmetros para exigir Responsável Técnico em propriedades rurais, de acordo com uma tabela de Potencial de Dano. Os parâmetros levam em conta principalmente a área física da atividade (classificadas em pequena, média e grande) e o destino da produção (in natura ou não). Com isso foram definidos 3 níveis de Potencial Poluidor (pequeno, médio e alto). Ao cruzar o Porte da Atividade com o Potencial Poluidor foram estabelecidas 6 Classes que permitem uma decisão mais técnica sobre a exigência de um Responsável Técnico em determinada propriedade rural.
No tocante à Receita Agronômica poderíamos adotar duas condições: — para as propriedades em Classes com obrigatoriedade da contratação de Responsável Técnico, haveria dispensa da apresentação de Receita, visto que já seriam devidamente orientadas. — para as propriedades em Classes dispensadas de Responsável Técnico, a Receita de Uso de Agrotóxico deverá ser obtida pelo agricultor e guardada para aferição da fiscalização. A via técnica para atender essas propriedades continuaria sendo a iniciativa privada, hoje ampliada com as ATERs – Assistências Técnicas de Extensão Rural; mas seria muito importante que os serviços de extensão governamentais considerassem prioritário esse tipo de orientação.
E aí sim, vida longa à Receita e louvores aos Assistentes Técnicos.
Já que o assunto é Receita, é bom lembrar que o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA estabeleceu o sistema de “ART-múltipla” para a área agronômica, e com isso as Anotações de Responsabilidade Técnica feitas pelos CREAs (para compor o acervo de cada profissional) baixaram a valores insignificantes. Eng. Agr. Tulio Teixeira de Oliveira – Diretor Executivo da AENDA