A ANVISA divulgou recentemente o resultado anual do último levantamento em todo o país do PARA – Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos e a imprensa destacou com alarde que tomates, morangos e alfaces estavam contaminados com teores acima de 40%. No espaço desse artigo queremos tranqüilizar agricultores e consumidores, em duas abordagens:
1ª Abordagem – Dados desvirtuados As irregularidades apontadas são oriundas de duas situações: uma é a detecção de resíduos acima do LMR – Limite Máximo de Resíduo e, outra é o uso de agrotóxico sem a devida recomendação no rótulo / bula para determinada cultura agrícola. ● A maior parte dos altos índices encontrados no levantamento da ANVISA está relacionada com o uso irregular de agrotóxico não indicado para uma determinada lavoura. Ora, a praga não espera pelo registro e o agricultor precisa salvar seu patrimônio e recorre a produtos eficazes contra o inseto, o fungo ou a erva daninha em questão, mesmo que em seus rótulos apareçam outras culturas e não aquela que está cultivando. Não se pode rotular de contaminação esse uso, pois não há risco explicitado de ultrapassagem do Limite Máximo de Resíduo. Os rótulos / bulas não indicam todas as culturas porque o sistema brasileiro é irracional nesse particular e exige estudo de resíduos em cada cultura e não em grupos de culturas como recomenda a FAO. E um estudo de resíduo custa cerca de R$ 60.000,00 para cada uma das muitas pragas em uma cultura. ● Uma pequena parte da irregularidade é originada do uso pelo agricultor de dosagem acima da recomendada ou por aplicação mais perto da colheita que o definido no Intervalo de Segurança também informado no rótulo / bula. Os levantamentos de anos anteriores indicavam contaminação bem baixa de resíduos acima do LMR. Esse ano a ANVISA não divulgou a tabela completa e o público não pode aferir a real participação do abuso na aplicação. As autoridades preferiram somar as duas irregularidades, o que no nosso entender é o mesmo que somar abacaxi com banana. Só dá salada! Essa divulgação da forma que aconteceu não foi uma atitude responsável.
2ª Abordagem – As margens de segurança do LMR Mesmo esses usos indevidos que ocasionam resíduos acima do LMR estabelecidos não são tão perigosos como à primeira vista pode parecer ao público. É disso que trataremos agora. Os cientistas já prevendo esses erros humanos na hora de aplicar os pesticidas consideraram grandes margens de segurança no estabelecimento de um Limite Máximo de Resíduo. Começa em qualquer teste toxicológico. Como não podem usar uma infinidade de animais de experimentação para reduzir a incerteza estatística, eles aumentam a dose maior testada. São, portanto, administradas doses fora da realidade do uso do pesticida. Aí surge o primeiro e grande fator de segurança. Um incrível acervo de estudos toxicológicos, farmacocinéticos e de metabolismo em toda a vida dos animais de experimentação serve para fixar qual a dose que não apresenta qualquer efeito adverso no animal mais sensível (se os efeitos em ratos forem maiores que em cães, os dados dos ratos é que serão utilizados). Percebam que aqui foi introduzido mais um fator de segurança. Nesses estudos os resultados diferem de animal para animal, entre os da mesma espécie. Logo é bem possível que isso vá ocorrer nos humanos. Os cientistas, então, introduziram um fator de segurança da grandeza de 10 vezes. Não esqueça que os fatores vão se acumulando. Na dúvida se os resultados em cobaias serão os mesmos nos humanos, foi agregado mais um fator de grandeza 10, em razão da comparação dos perfis farmacológicos entre espécies. Desta maneira surge a fórmula NOAEL / 10 x 10 = Ingestão Diária Aceitável (ADI) para humanos. Observe que esses fatores de segurança não foram somados, mas multiplicados…por segurança. O LMR acima comentado é a concentração máxima permitida de um resíduo de pesticida aceito em cada tipo de alimento. O LMR é obtido com testes reais em campo, seguido de análise do alimento colhido com casca e nó como se diz prosaicamente. No entanto é sabido que desse alimento só é aproveitado 70% em média. Por segurança os cientistas não dão esse desconto na fixação do LMR. Além disso, é realizada uma curva de resíduo correspondente a aplicações do produto em diversos estágios do ciclo da planta para definição do Intervalo de Segurança em um determinado ponto antes da colheita; pois bem, para o LMR é levado em conto o maior resíduo detectado nessa curva e não aquele do ponto definido como Intervalo de Segurança. É mais um sobre-fator de segurança. No Brasil adiciona-se um outro componente de segurança, qual seja a dose dobrada em testes de campo, fato que alarga e muito a faixa de segurança. Completada essa operação, compara-se o valor de resíduos obtido da soma das ingestões diárias versus a ADI, obtida nos testes toxicológicos acima relatados. Se o valor de resíduos for menor ou igual a ADI, tudo bem; se for maior, sinal vermelho. Talvez, o correto fosse amarelo, porque na verdade trata-se de uma superestimação. É preciso ressaltar que (a) apenas uma parte da safra colhida é tratada com pesticida; (b) a maior parte da cultura tratada contém resíduo abaixo do LMR; (c) os resíduos geralmente são reduzidos no armazenamento, na preparação dos alimentos ou no processamento industrial (inclusos aí: lavagem, secagem, fermentação, refinamento, cocção, etc.).
Releia caro leitor, por favor, e agora some quantos fatores de segurança foram agregados. Com toda essa vasta barreira de segurança os cientistas dormem tranqüilos. Pode dormir você também!
Tulio Teixeira de Oliveira – Diretor Executivo da AENDA