REVISITANDO A RECEITA

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No décimo terceiro artigo da Lei 7802 do ano de 1989 a aspiração dos profissionais das ciências agrárias tornava-se realidade. Finalmente exerceriam o controle fitossanitário no Brasil. Estava realmente lá, no meio de tantas outras ordens: “a venda de agrotóxicos e afins aos usuários será feita através de receituário próprio, prescrito por profissionais legalmente habilitados”. Era o destaque, a frase parecia tremular qual bandeira sinalizando a chegada de novos tempos. Agora o campo teria ordem, os agricultores seriam bafejados com as precisas instruções dos técnicos habilitados e o combate às pragas estava resolvido. Os consumidores não teriam mais que se preocupar com erros de aplicação e com resíduos fora dos limites. Entidades classistas comemoraram a conquista e fizeram movimentos em prol da difusão da boa nova.
Duas décadas se foram…
— No balcão da revenda, largado, sem qualquer pompa e circunstância, um bloco de receitas, todas em branco e já assinadas fica ao dispor de interessados. Na mesa do fiscal agropecuário acumulam-se receitas para culturas agrícolas inexistentes nas propriedades vistoriadas. Na cooperativa, o agricultor-cooperado com uma receita assinada por um Técnico Agrícola, esbraveja: “como não vão aceitar essa receita? Para copiar rótulo e bula não preciso de agrônomo” / “se eu não levar o produto, quem vai pagar o prejuízo? A lagarta não vai ficar esperando a visita do agrônomo!”. No desvio, à beira de estradinha secundária o vendedor de produto ilegal vangloria-se em silêncio… Acaba de “passar” mais um produto contrabandeado e outro sem registro; ambos sem nota fiscal. “Sem NF ninguém vai importunar o senhor por usar na lavoura que bem entender, não há Receita e nem mesmo será preciso devolver a embalagem vazia”. Foi o argumento decisivo, o que fechou o negócio. — Nos CREAS as receitas foram rigorosamente disciplinadas. Um procedimento diferente em cada região. Na Bahia o profissional pode prescrever 250 receitas/mês e vincular 50/ART (Anotação de Responsabilidade Técnica); em Pernambuco, 200 receitas/mês e 25/ART; em MG e RJ, 30 receitas/ART. Entenderam?… E, você, Engenheiro Agrônomo ou Florestal, já tentou prescrever uma Receita em região de um CREA que não é a sua? Aviso de pronto que não o faça, você infringirá códigos, regras e sei lá mais o quê. O Brasil foi dividido em CREAS, não sabia? Temos vários Brasis e, portanto, uma Receita vale em um e não vale em outro. — Vamos introduzir a ART Múltipla e resolver parte do problema, promete o CONFEA. — Receita eletrônica pode? Ainda tem região que resiste.
Ou seja, de redenção do controle fitossanitário a Receita se transformou em um mero documento burocrático obrigatório para adquirir um Defensivo Agrícola. De e pela lei. A dignidade do profissional ela não carrega mais, restou apenas o fardo dos comezinhos e aborrecidos defeitos da burocracia processual tupiniquim.
Deve a classe agronômica novamente se organizar e exigir mudança. Profunda, na lei e no fato. O campo precisa do profissional, não para uma Receitazinha, precisa para uma constante, permanente assistência técnica. Os cidadãos estão mais exigentes, querem alimentos saudáveis e uma agricultura com respeito às nascentes, aos corpos d’água, à cobertura florestal mínima preservadora do micro clima e aos seus trabalhadores e moradores.
A lei precisa ser alterada para impor a presença do profissional na supervisão de cada propriedade, instruindo e garantindo a sua sustentabilidade, incluso aí um controle fitossanitário completo e que use todas as ferramentas tecnológicas disponíveis e criteriosamente. Para tal, devem ser examinadas as Leis 8.171/1991 (Lei Agrícola Nacional), 11.326/2006 (Lei Agrícola Familiar) e 7.802/1989 (Agrotóxicos).
Ao poder executivo e ao poder civil cabe prover recursos e condições administrativas e logísticas para que isso se concretize. De fato.
Eng. Agr. Tulio Teixeira de Oliveira – Diretor Executivo da AENDA

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