VARIANTES DE OBSOLETISMO

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Determinados dispositivos de uma lei mais antiga podem não retratar mais a realidade dinâmica e mutante dos fatos causais e dos conceitos. O arbitramento de situações que outrora eram consideradas afrontosas à letra da norma hoje seria completamente diferente.

Houve um tempo em que as advogadas não podiam frequentar os fóruns e tribunais de calça comprida, por desrespeito ao decoro, só para dar um exemplo mais próximo do universo da magistratura.

No Rio Grande do Sul, o Decreto Regulamentador 32.854/1988, para cadastramento de agrotóxicos devidamente registrados na esfera federal, faz exigência no que diz respeito ao país de origem. Consta no referido Ato:

Art. 3º – A comprovação de que o produto a ser cadastrado tem seu uso autorizado no País de origem, far-se-á mediante certidão emitida pelo órgão competente do respectivo país.
Parágrafo único – Considera-se país de origem, aquele em que se originou a síntese correspondente ao princípio ativo da substância; o país em que é gerada ou manufaturada a tecnologia e aquele de onde o produto é importado.

O curioso é que a Lei 7.747/1982, da qual emerge o Decreto 32.854/1988, fala do país de origem, mas com uma proposição indeterminada.
Art.1º-
§ 2º – Só serão admitidos, em território estadual, a distribuição e comercialização de produtos agrotóxicos e biocidas já registrados no órgão federal competente e que, se resultantes de importação, tenham uso autorizado no país de origem.

Este é um obsoletismo conceitual incrustado nessa legislação. No contexto da fitossanidade as necessidades de uma região tropical são bem diferentes que as de uma região de clima temperado. A multiplicação das populações de insetos, ervas daninhas e inúmeros fitopatógenos se dá de maneira acelerada nos climas mais tépidos, acompanhando o viço das plantas. Daí, alguns produtos inicialmente desenvolvidos em países de clima temperado hoje já podem ser dispensados, enquanto por aqui é preciso uma gama maior de produtos com modos de ação diferentes sobre as pragas, para retardar o surgimento da resistência dessas pragas a determinados produtos, em função justamente do número de gerações e conseqüente seleção natural em uma única temporada.

Por ocasião da Lei 7.747 esse tipo de conhecimento não estava tão difundido e, o clamor popular contra pesticidas organoclorados estava no auge, motivos que influenciaram o parlamento gaúcho a introduzir uma regra sem uma reflexão mais aprofundada. É interessante registrar que esse parágrafo 2º foi vetado pelo Governador, mas no ano seguinte houve uma retificação da Lei e o dispositivo voltou à letra da Lei. A beligerância contra esses produtos era tamanha, particularmente no Rio Grande do Sul, que o Decreto 32.854 exagerou na caracterização do que seria país de origem.

Mas o caso da legislação gaúcha para os produtos fitossanitários traz outro obsoletismo, mais atinente a mutação dos fatos históricos e reconfiguração técnica da análise jurídica, e, que merece abordagem.

Daquela época para cá houve um avanço dos produtos genéricos, de grande influencia concorrencial e efeitos sociais, no panorama dos setores químicos em que estão inseridos. Estes produtos aumentam a concorrência, agindo como uma âncora a puxar para baixos os preços do insumo, alargam o uso da técnica para agricultores de menor condição financeira, justamente pela queda do custo, ajudando o país a preservar suas colheitas. O esforço em não aumentar a área plantada, de forma a preservar os biomas naturais, em parte é suportado pelo alargamento do uso dessa tecnologia.

O mais importante, entretanto, é a condição peculiar dos produtos genéricos não terem exatamente um país de origem. Eles não passam de cópias dos produtos originais, sendo produzidos em qualquer lugar. De tal forma que são um exemplo concreto do que chamamos de obsoletismo factual, ou seja, quando a realidade muda a configuração dos fatos ou premissas, de tal forma que a determinação explicitada não mais encontra aplicação.

Qual o sentido de exigir que um produto genérico consiga uma declaração do país onde a síntese foi desenvolvida? Não há mais essa origem, a tecnologia não passa agora de uma cópia que pode ser reproduzida em qualquer parte. Burocraticamente, para cumprimento da lei, pode-se apenas obter uma comprovação do país onde uma determinada cópia foi elaborada.

Eng. Agr. Tulio Teixeira de Oliveira – Diretor Executivo da AENDA
www.aenda.org.br / aenda@aenda.org.br

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